Em 1953, Cecília Meireles retratou a história de Minas Gerais desde o início da colonização portuguesa até a Inconfidência Mineira (1789-1792). Depois de mais de dez anos de pesquisa jornalística, o Romanceiro da Inconfidência se estabeleceu como um marco de nossas letras. Ainda trouxe versos marcantes sobre o que é liberdade:
Liberdade — essa palavra
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda!
Quase 70 anos depois e às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais no Brasil — um período não exatamente reconhecido pela plasticidade lírica, nem pela inteligência no uso das exclamações —, novamente estamos às voltas de um monotema que sempre emerge em dias chuvosos da esfera pública brasileira: liberdade de imprensa. E óbvio que não se trata de ter mais liberdade de imprensa.
A liberdade de imprensa é defendida pela Constituição e é tida como um dos pilares da democracia brasileira. Se recuarmos um pouco mais no tempo, no entanto, perceberemos que ela nunca foi um valor especialmente caro ao Brasil e à turma da caneta pesada. Antes de 1808, sequer era permitido imprimir qualquer coisa, que dirá circular ideias diversas. Nosso primeiro jornal, A Gazeta do Rio de Janeiro, era submetido à censura prévia.
Diante de sucessivas decisões de retirada de conteúdo jornalístico do ar por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), discutir tal prática hoje, além dos limites do Jornalismo (ou do mau Jornalismo), é pertinente. Não se trata apenas do entendimento do TSE — que pode gerar precedentes perigosos—, mas também da relembrança do histórico nacional de cerceamento ao Jornalismo.
Antes: sabemos que empresas de conteúdo são formadas por pessoas e por jornalistas. Quando pensamos em liberdade de imprensa, não podemos deixar de pensar em cosmovisão — visão geral da vida de pessoas e, aqui, de veículos noticiosos. Jornais erram, jornais acertam. Melhor: enxergam conforme o prisma da realidade que recortam. É o jogo.
Discutir orientação editorial de veículos de informação, quando tratamos de liberdade de imprensa, é inócuo. Discutir decisões que colocam o Judiciário na posição de decidir sobre o que um veículo jornalístico precisa despublicar é fundamental. O Jornalismo é uma área de interesse público. Opera a partir da busca pela verdade factual e da prática de princípios éticos profissionais. Como um ministro do TSE conseguirá diferenciar reportagem mal apurada de fake news + clickbait, por exemplo?
É possível fazer o combate às fake news e questionar o Jornalismo de baixa qualidade com critérios do lado de cá, a partir da própria classe e da sociedade civil, sem interferência estatal. As iniciativas que partiram do Estado contra a desinformação (ou qualquer informação) sempre foram desastrosas. É o combo censura, perseguição política e prisões. Por sua vez, a liberdade editorial permite a pluralidade de informações e a livre circulação de ideias. O Estado, aliás, não produz Jornalismo. O Estado produz releases.
Em tempo, liberdade de imprensa não é liberdade para agredir, manipular ou mentir. Mas não seria melhor corrigir em tempo hábil, esclarecer o erro com o mesmo destaque da publicação original (seguindo trâmites judiciais, inclusive)? Apagar uma publicação retira da sociedade o potencial de cobrar o trabalho do Jornalismo — e de observar, na prática, quando o veículo se vê obrigado a retificar uma informação verificada como falsa.
A livre circulação de informação nos diferencia dos tempos monárquicos e do passado recente da Ditadura. Jornalismo informa, incomoda, acerta, erra. Praticar Jornalismo com liberdade de imprensa é um sonho humano a ser alimentado, independentemente do que consideramos bom ou mau Jornalismo.
*Daniel Zanella, jornalista, professor de Jornalismo da Universidade Positivo (UP) e editor do RelevO, impresso mensal de literatura.